O Meio de Todas as Coisas

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Por volta do ano 1200, a trupe dos Astecas partiu em caravana à procura do sinal dado pelos seus deuses sobre o lugar mais indicado para dar início a um novo e poderoso império. A instrução era clara, eles deveriam desenvolver a sua civilização onde vissem uma águia pousada em um cacto, devorando uma cobra. E eles viram, pelo menos é o que conta a história. Não bastasse a visão, eles sobrepuseram-se militarmente a diversos povos e comunidades na Mesoamérica durante muitos anos , até o seu fim abrupto com a chegada dos espanhóis no começo do século XVI.

Coincidência, invenção de um precursor dos futuros compositores da macarena, ou verdade absoluta, seja lá o que for, o início da história dos Astecas está eternamente intrínseco a uma revelação mística, e o fio condutor dessa narrativa aperta em um calo antigo: não estamos todos sempre em busca de um sinal? Sair do emprego ou aguentar mais um pouco, aceitar de volta ou não aquela relação antiga, comprar uma bicicleta ou casar, onde estão os sinais para esses questionamentos, ou até, o que seria um sinal para tudo isso?  Por que os deuses ficaram tímidos em seus contatos?

A primeira explicação para isso é que não somos leitores de arte divinatória. A descrição de uma águia, em cima de um cacto, devorando uma cobra, não deveria ser uma cena tão rara assim na antiga Mesoamérica, mas esse foi o cenário responsável pela então criação da capital asteca, e, até hoje, é o que compõe o brasão de armas do México. As pessoas realmente acreditam nisso, mas já que não somos dotados da adivinhação, só podemos ficar com sinais menores, bem mais singelos, ou você também pode chamar isso de intuição.

Nunca, nos meus 24 anos de vida, uma voz oculta me disse o que fazer, os números do bilhete da mega-sena do acumulado do ano, atravessar a rua e correr da poça de lama antes que um ônibus passasse em velocidade e me impedisse de sujar a roupa, molhar o cabelo, ficar irritada. Para se chegar, por exemplo, à chamada estimativa do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) de um país ou estado, os institutos de pesquisa não contam com consultas ao oráculo, e sim com a sistemática. A modernidade nos cegou, nos ensinou que as coisas só realmente são se provadas. Rigidez e frieza são requisitos indispensáveis para assuntos como pesquisas estatísticas, mas perigosas quando falamos de outro lado da vida.

Eu quero um sinal, algo que me tire desse momento da vida em que as coisas não estejam tão fáceis, mas eu não consigo enxergar nada, não sei reconhecer, queria ser asteca. No poema “O Meio de Todas as Coisas”,  Gregório Duvivier explica a angústia baseado também nos nossos amigos astecas. Segundo ele, quando alcançava o exato momento do meio da vida – em que o que já vivemos é exatamente igual ao que ainda não vivemos – o mais comum dos astecas sentia uma súbita e inexplicável vontade de tomar um trem, mas como ainda não o tinham inventado, ele acabava por entristecer-se. Daí vem a tristeza, que ele denomina como a vontade de algo que ainda não inventaram. Temos o trem, a canoa, o avião, a vontade de ir, e todas as incertezas do mundo.

Graças à primazia do conhecimento, nós podemos especular e comprovar diversos aspectos do ano 1200, agora, em 2013, como no início desse texto, e em contrapartida cada vez mais nos afastamos das soluções individuais.  Nós nunca saberemos como as coisas aconteceram de verdade num passado que não fizemos parte, muito menos o que especularão sobre a nossa atualidade, daqui a muitos milhares de anos. Talvez digam que a nossa civilização foi a mais confusa da história, talvez eles descubram como resolver a equação entre o que se deseja e o que ainda não existe . Por enquanto, eu prefiro ficar com Ricardo Reis, “nada se sabe, tudo se imagina. circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. o mais é nada”.